Gosto de Cereja - OBRA PRIMA DE Abbas Kiarostami - Reliquias em DVDs
  Carregando... Por favor, aguarde...

Gosto de Cereja - OBRA PRIMA DE Abbas Kiarostami

R$24,99

Ou em 4x de R$6,72
no cartão de crédito



Título Original: Ta’m E Guilass
Título no Brasil: Gosto de Cereja
Direção: Abbas Kiarostami
Gênero: Drama
Ano de Lançamento: 1997
Duração: 91 min
País: Irã

Sinopse: Senhor Badii, um homem de seus cinqüenta anos, está vagando em seu carro por pontos da cidade onde desempregados se oferecem para trabalhos avulsos e ocasionais. Ele tenta encontrar, em meio àquela gente, alguém disposto a entrar no seu carro e aceitar uma boa soma de dinheiro em troca de um pequeno favor… Passa, então, a dialogar com uma série de personagens que recebem a sua proposta com reações as mais variadas.

 

COMENTÁRIO Um filme que faz pensar, cheio de simbolismos. Uma obra-prima do cinema iraniano. "Um turco foi ao médico e disse: ´Quando toco meu pescoço dói, quando toco minha cabeça dói, quando toco meu corpo dói´. O médico respondeu: ´Não tem nada de errado com seu corpo, é seu dedo que está machucado´." Esta piada certamente passará batida por grande parte da audiência, como simplesmente um (raro) momento de descontração no filme, ou como uma alegoria ao drama do personagem principal que, de acordo com o autor da piada, deveria olhar as coisas sob outra perspectiva. Mas o fato é que ela se endereça muito mais a nós, espectadores, que propriamente ao personagem. Gosto de Cereja é, por muitos, considerado a obra-prima do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, e um dos mais importantes filmes dos anos 90. Longe de mim discordar, mas estas mesmas pessoas tendem a simplificar por demais esta obra, o que é uma pena, pois é um filme extremamente reflexivo e que merece (e necessita) mais de uma ou duas seções. Ele conta a estória de Badii, um cidadão de classe-média em seus 50 anos que perambula pelos arredores de Teerã em busca de alguém que possa enterrá-lo depois de suicidar. Muitas das obras mais emocionalmente complexas do cinema foram feitas sob estórias incrivelmente simples e mundanas - vide obras de Yasujiro Ozu e Jacques Tati - e com este filme não é diferente. Eliminando-se uma trama engenhosa, que certamente prenderia toda a atenção do espectador à ela, o filme pode se concentrar em trabalhar questões mais fundamentais, e dar-nos tempo para reflexão. Reflexão esta que se alastra por muito após o término do filme, já que no final nada se explica, e tudo se confunde. Badii é um homem amargurado e quer morrer. Esta é provavelmente a única certeza que temos o filme inteiro. Não sabemos quem ele é, nem os motivos que o levam a optar pelo suicídio. Em uma conversa com um seminarista afegão, ele fala que seu sofrimento acaba causando sofrimento aos outros, familiares, amigos... e este é o máximo que conseguimos extrair de seus sentimentos. Pode soar estranho para alguns, mas este relacionamento imparcial que temos com Badii contribui muito para a estória, já que nos livra de qualquer carga moral que carregamos, e nos possibilita analisar a situação por uma lente mais objetiva. Badii passa quase o filme inteiro procurando alguém que esteja a fim de enterrá-lo, sem jamais revelar seus motivos, o que joga toda a responsabilidade da decisão em cima da pessoa. "Venha até esta árvore às 6 da manhã do dia seguinte, olhe no buraco e chame por mim; se eu responder, me ajude a sair; senão, jogue 20 pás de terra sobre meu corpo. Qualquer das duas, depois você pega 200 mil tomans que estarão em meu carro e pode ir embora", ele pergunta insistentemente. Você aceitaria? Como já dito antes, Badii passa quase o filme inteiro andando pra lá e pra cá em sua Range Rover, nas periferias da cidade, um lugar montanhoso e árido, com muitos locais de mineiração, procurando alguém disposto ao serviço. Ele passa por muitos grupos de homens, mas prefere sempre alguém que esteja só (mais sobre isto depois). Especificamente, ele aborda seis pessoas, sempre convidando elas para dar uma volta de carro. Os dois primeiros, trabalhadores de obras, logo recusam (um por não estar interessado, outro por não se julgar capaz de qualquer serviço não sendo catar sacos plásticos). O terceiro, um jovem curdo que está servindo ao exército, aceita a carona mas, à medida em que Badii explica de que se trata o estranho serviço, o jovem vai ficando cada vez mais amedrontado, e logo foge. O quarto, um vigia afegão de um sítio de obras desativado, recusa o convite por estar de serviço, mas o amigo deste, um também afegão seminarista recém-formado, aceita. No caminho, eles debatem sobre as questões do suicídio: o seminarista defende que Deus nos dá o corpo, e que se matar é o mesmo que matar a qualquer outra pessoa; entretando, Badii argumenta que sua infelicidade também afetava os outros, e causar sofrimento também é pecado. Depois de uma breve conversa, o seminarista entende o ponto de vista do sujeito, mas nega o serviço por ser contra as leis do Corão. Badii então chega à sexta pessoa, que finalmente aceita o serviço (na verdade, há uma elipse que pula o encontro deles e toda a conversação, então não dá pra saber ao certo se houveram outros antes deste). O homem se chama Sr. Bagheri, é um velho taxidermista turco que só concorda com o plano porque precisa muito do dinheiro para ajudar o filho doente. Mesmo assim, ele ainda tenta convencê-lo de diversas maneiras a não se matar. Ele conta um caso próprio de anos atrás, quando uma discussão com a esposa o levou a tentar o suicídio. Ele havia levado uma corda para se enforcar numa árvore, mas antes de cometer o ato, resolveu comer uma amora da árvore. Gostou tanto que provou outra, e outra, e mais uma... aí ele começou a apreciar o nascer do sol, depois viu um grupo de crianças indo para a escola, decidiu poupar sua vida e levou uma cesta de amoras para casa. Ele então conta a piada que abriu esta crítica e argumenta que tudo tem um outro lado, logo então perguntando se Badii estava ponto para abdicar de todos os prazeres da vida (entre eles, o gosto da cereja). A conversa logo termina quando eles chegam ao museu de história natural, onde Bagheri trabalha. Há uma relação interessante entre os três homens que concordam em entrar no carro de Badii. Cada um é de uma nacionalidade diferente (respectivamente, Curdistão, Afeganistão, Turquia - todos expulsos por guerras); o primeiro é um soldado, o segundo é seminarista, o terceiro é taxidermista (respectivamente, exército, religião e ciência); o primeiro é jovem, o segundo é adulto, o terceiro é velho, e suas reações refletem um estado de constante evolução (respectivamente, medo, curiosidade, sabedoria), e cada uma dessa reações fazem Badii refletir um pouco mais. Depois da conversa com o soldado, ele anda pelos terrenos de escavação com a mente tortuosa, e quase põe o carro montanha abaixo. Depois de conversar com o seminarista, ele pára numa obra, e fica observando os minérios serem despejados numa vala (notem a justaposição da sombra dele sobre as pedras rolando - numa alegoria ao seu próprio enterro). Depois da conversa com Bagheri então, ele fica tão atordoado que volta para o museu, para pedir que o velho cientista jogue umas pedras nele no dia seguinte, para garantir que ele esteja mesmo morto. Por que alguém disposto a morrer se preocuparia tanto em garantir que estaria morto? Há outros exemplos. Por que ele se amedrontou tanto ao subir a escada do vigia? Por mais perigosa que fosse, tanto faz, ele vai morrer mesmo. Ou: por que ele negou o omelete do vigia, dizendo que lhe faria mal, ou teve o trabalho de voltar ao seu apartamento pela manhã para apagar as luzes que tinha esquecido acesas? Claro, podem haver respostas satisfatórias para essas perguntas, talvez ele tivesse horror à luz acesa, ou quisesse evitar uma indigestão e uma queda no seu último dia de vida, mas não conhecemos o suficiente dele para chegarmos à estas conclusões, deixando seus motivos mais uma vez em aberto. Mas na minha interpretação, toda essa busca de Badii para morrer é na verdade uma busca para continuar vivo. Ele poderia muito bem ter caído morto no buraco (ele não parece muito religioso para ligar para enterro, já que está disposto a quebrar uma das leis islãmicas), ou contratado um dos muitos operários numa praça no começo do filme, desesperados por emprego. Ao contrário, Badii queria uma testemunha, alguém a quem ele pudesse compartilhar o sofrimento, não o sofrimento que o levou ao suicídio, mas o sofrimento do suicídio em si. Por isso a importância da volta de carro, a importância de se procurar alguém sozinho, evitando os grupos de trabalhadores. Solidão, aliás, é um tema recorrente neste filme. Badii fala da sua época no serviço militar como a melhor de sua vida, onde ele fez mais amizades, mas o jovem soldado curdo andava sozinho pela cidade (em oposição aos grupos de soldados que vemos mais à frente no filme); o vigia afegão, apesar de estar com um compatriota visitando-o, também estava sozinho; e, é claro, a solidão do próprio Badii, que não parece ter nenhum amigo ou familiar a quem recorrer. Este sentimento de solidão é carregado até para as gravações, já que nenhum dos atores se encontrou nas filmagens, exceto Badii e Bagheri (que fazem uma cena juntos), o resto foi tudo filmado separadamente e juntado num curioso exercício de edição. Agora, o final do filme. É nesta parte que as opiniões vão para 8 ou 80, alguns chamam-no de pretencioso, outros de genial, mas é impossível ficar indiferente. Badii acaba de pedir para que Bagheri garanta que ele esteja morto quando for buscá-lo pela manhã, e volta para casa. Vemos ele então em seu apartamento, a câmera do lado de fora, só conseguimos distinguir seu vulto perambulando lá dentro, apagando as luzes e saindo. Não se sabe se ele toma ou não os soníferos. O dia está apenas começando a amanhecer, ele pega um taxi que o leva para o local onde foi cavada sua cova. Ao invés de dirigir, ele pegou um taxi. Por quê? Isto nunca é explicado, mas ele carrega o dinheiro numa sacola. Ele se deita no buraco, e o tempo fecha. Logo começa a chover. A tela se escurece por alguns segundos, e somos apresentados então à uma gravação em vídeo do local de morte de Badii. Vemos Kiarostami e sua equipe gravando uma cena onde um grupo de soldados marcha pelas caminhos da montanha, e o ator Homayon Ershadi, que interpreta Badii, lhe oferecendo um cigarro. Kiarostami diz aos soldados pelo walkie-talkie que a cena acabou, e que iam fazer a gravação de som agora. A câmera de vídeo vai então pro outro lado da montanha, onde o grupo de soldados descança ao sol, todos com ramos de flores nas mãos. Então sobem os créditos, ao som de "St. James Infirmary", de Louis Armstrong. Ok, o que pensar sobre este final um tanto abrupto, e certamente inesperado? Essa "desconstrução da quarta parede", onde se mostra a realidade por trás do filme, já foi usada várias vezes (E La Nave Va e Banzé no Oeste me vêm à mente), cada uma com um propósito diferente (e nenhum deles apenas de mostrar que estamos vendo um filme, como insistentemente propõem alguns críticos). Quando perguntado sobre o filme, Kiarostami falou que a era de um cinema puramente narrativo havia se esgotado, e que agora era hora de propor algo que fizesse as pessoas pensar, que este distanciamento final do espectador com o personagem faria-nos refletir as questões propostas no filme para sua própria vida. Com relação à isto, Kiarostami obteve sucesso, já que, apesar de termos um impacto emocional menor, somos capazes de olhar o filme de uma maneira mais objetiva, analítica, reflexiva, que é o que ele pretendia desde o começo ao nos negar os motivos do suicídio de Badii, e de nos negar a ver o que acontece no fim das contas. Esta filmagem final dá muito mais vida à paisagem, com campos verdes e árvores floridas, em contraste com a aridez que se apresentava durante todo o filme. Isto, junto com a imagem dos jovens soldados rindo, conversando e colhendo flores, possa ser um indício de que Badii finalmente encontrou paz, seja ela na vida ou na morte. Tecnicamente o filme também impressiona, com uma fotografia muito bonita (porém seca) da região montanhosa dos arredores da cidade. A edição também é brilhante, não só pelo motivo citado há alguns parágrafos acima, mas também por conferir um ritmo excelente ao projeto. Sentimos o tempo passar vagarosamente, como o peso de um eterno último dia, onde tudo está sendo experimentado pela última vez (o contraste de visões de alguém prestes a morrer e alguém que não é mostrado numa conversa entre Badii e o vigia, quando o primeiro diz achar a região lindíssima, enquanto o segundo comenta que é apenas um bando de terra e poeira). Narrativamente o filme também inova, já que é um road movie onde o personagem roda, roda, e não chega à lugar algum. Se este é ou não é a obra-prima do diretor, ou um dos filmes mais importantes da década, cabe a cada um dar sua opinião (opinião que provavelmente resultará da cena final), mas como o próprio Kiarostami disse, a proposta do filme e nos fazer pensar e, ao menos neste aspecto, ele é unanimamente bem-sucedido.

Comentários sobre o produto