Honra Secreta - Robert Altman- 1984 - Reliquias em DVDs
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Honra Secreta - Robert Altman- 1984

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Honra Secreta é um filme ousado; uma aula de cinema, literalmente falando; um tour de force de um ator de grande talento em momento especial. Ao mesmo tempo, não é aconselhável para todo tipo de público – muito ao contrário. Só deverá gostar do filme quem tiver grande interesse em política e na história dos Estados Unidos. É uma peça de teatro filmada, uma peça de um ato e um único cenário, uma grande sala – um monólogo de um ator representando Richard Milhous Nixon, depois de renunciar à Presidência por causa do escândalo Watergate, em 1974. Durante 90 minutos, Philip Baker Hall fala, fala, fala e fala. Cita diversas figuras e episódios da política americana – Eisenhower, de quem foi vice, entre 1953 e 1961, os irmãos Kennedy, especialmente John, que o derrotou na eleição de 1960; Fidel Castro, Mao Tsé-Tung, a guerra do Vietnã, Henry Kissinger, seu secretário de Estado, Alger Hiss, Whittaker Chambers, e mais dezenas de personalidades e fatos históricos. Logo na abertura, o filme do diretor Robert Altman faz este aviso-advertência: “Este trabalho é uma meditação fictícia a respeito do caráter e dos eventos na história de Richard M. Nixon, que é representado neste filme. A imaginação dos dramaturgos criou alguns eventos fictícios num esforço para iluminar a personalidade do presidente Nixon. Este filme não é um trabalho de história ou uma recriação histórica. É um trabalho de ficção, usando um personagem real, o presidente Richard M. Nixon – numa tentativa de compreender.” Uma especial predileção por fitas, gravadores e uísque Philip Baker Hall-Richard Nixon entra na sala carregando uma caixa, que deposita sobre uma das mesas. A sala – uma biblioteca, um escritório – é bastante ampla. Há várias estantes, centenas de livros, poltronas, garrafas, copos. Há quatro telas de TV, monitores de segurança, algumas mostrando o corredor que leva até aquela sala, outras mostrando o que se passa ali mesmo. Vemos uma câmara de filmar. O protagonista serve-se de uma generosa dose de uísque – veremos a garrafa de Chivas Regal sendo esvaziada durante muitas das seqüências. Da caixa com que entrou na sala, tira um revólver, que deposita sobre a mesa de trabalho. Na mesma mesa, há um gravador, um grande microfone. O Nixon verdadeiro tinha especial predileção por fitas, gravadores – e uísque. O Nixon fictício liga então o gravador, quando estamos bem no início do filme, e começa a falar. Falará por quase 90 minutos seguidos. Dirige-se a um juiz imaginário, como se estivesse num tribunal, sendo julgado; dirige-se ao juiz imaginário como se fosse o advogado dele próprio, Nixon – mas em seguida passa a falar como se fosse Nixon mesmo. Ao longo de todo o monólogo, alterna essas personalidades: ora fala como Nixon, ora como seu advogado. O grande momento de um ator que sempre foi coadjuvante O ator Philip Baker Hall dá um show. É uma interpretação nunca menos que brilhante. Não me lembrava dele, nem de ter ouvido o nome dele, mas, pelo que mostra o iMDB, já o vi em vários filmes; o eventual leitor também seguramente já o viu. Nascido em 1931, com carreira no cinema iniciada em 1970, tem 148 filmes e/ou episódios de TV em seu currículo, vários deles de sucesso ou respeitáveis, como A Rocha, Força Aérea Um, Boogie Nights – Prazer Sem Limites, The Truman Show, A Hora do Rush, O Informante, Magnólia, A Conspiração, Zodíaco. É um daqueles eternos coadjuvantes competentes – a quem Robert Altman deu o grande papel da vida, neste Honra Secreta. O retrato que os autores e roteiristas Donald Freed e Arnold M. Stone pintam de Nixon é assombroso, estarrecedor. Em Frost/Nixon, outro excelente filme, este calcado em fatos reais, reproduzindo fatos reais, o diretor Ron Howard mostrou um homem vaidoso, egocêntrico, enérgico, que se tem na mais alta conta mas demonstra uma certa insegurança. O Nixon do filme de Altman é tudo isso, elevado à enésima potência; e é também vingativo, paranóico, psicologicamente perturbado, com traumas de infância, problemas de relacionamento com os irmãos, uma relação complexa e doentia com a memória da mãe, e invejoso, profundamente invejo do sucesso alheio – tem uma inveja de Kennedy que chega às raias da loucura, um pouco como Lula demonstra em relação a Fernando Henrique Cardoso. E, além de tudo, o Nixon do filme se confessa atolado em diversos tipos de corrupção. Altman dava aulas de cinema e seus alunos participaram do filme Este Honra Secreta foi o segundo filme consecutivo que Altman fez baseado em peça de teatro – sem tentar, de forma alguma, “cinematogratizar” a peça. Muito ao contrário, faz questão de demonstrar que está filmando uma peça de teatro. O filme é de 1984; em 1983, ele havia filmado uma outra peça radical, em termos formais e também políticos, O Exército Inútil/Streamers, um libelo antimilitarista. Estava, naquela época, dando aula de cinema na Universidade de Michigan. Muitas das pessoas envolvidas na produção de Honra Secreta eram seus alunos. Estava também no fundo do poço, em termos comerciais: não conseguia interessar os grandes estúdios por seus projetos, e fazia então filmes independentes. Uma figura absolutamente maior, Robert Altman. Nascido em 1925, começou como roteirista, e depois foi diretor na TV – dirigiu diversos episódios das séries Alfred Hitchcock Presents e Bonanza, antes de finalmente passar a dirigir para o cinema, o que só aconteceu em 1957, aos 32 anos. Fez grandes filmes, anticonvencionais, indo contra as regras do gênero, como o estranho e belo western Quando os Homens são Homens/McCabe and Mrs. Miller, o policial O Perigoso Adeus/The Long Goodbye, a arrasadora sátira M.A.S.H. Este foi um espantoso sucesso comercial. Popoye, de 1980, ao contrário, foi um flagoroso fracasso de bilheteria – embora seja uma maravilha de filme, que merecee ser relançado e revisto. Veio a partir daí a fase em que os estúdios não queriam saber dele. Grande artista, continuou a fazer bons filmes – para depois cair de novo nas graças dos produtores e do público, a partir de O Jogador/The Player, de 1992, em que, ironicamente, fazia um retrato cruel da própria indústria americana de cinema, e de Short Cuts, de 1993, em que mostrava a vida de uma dúzia de pessoas em Los Angeles, a cidade que é o coração dessa mesma indústria. “Um esquisito triunfo”, “um psicodocudrama sensacionalista” Vamos às opiniões dos críticos. Leonard Maltin dá 3.5 estrelas em 4: “Richard Nixon, com a ajuda de um Chivas Regal, anda em seu escritório numa fúria quase psicótica contra Hiss, Castro, Ike, Kissinger, e qualquer um que se chame Kennedy. O show de monólogo de Hall é filmado fluidamente e corajosamente concebido.” E informa que o filme foi lançado em vídeo nos Estados Unidos com o título de Lords of Treson, senhores da traição. Sérgio Augusto não selecionou o filme para constar da edição brasileira do livro de Pauline Kael, o que me dá o trabalho de tentar traduzir o texto brilhante, rico e difícil dela. Vamos lá. “Como Richad Milhous Nixon, Philip Baker Hall entre uma ruminação selvagem a respeito da sua vida – uma mistura de confissão e auto-isenção. Dirigido por Robert Altman, o filme tem uma qualidade intensificada, como se todo o tumulto do último ano de Nixon na Casa Branca, sua renúncia, e seu perdão – todas as notícias que devoramos nas revistas e nos jornais e na TV, e a torrente constante de revelações – fossem compactados nesse monólogo esfarrapado. É um ataque, um colapso, e o excesso de demonstrações quase pornográficas é paralisante. Há uma travessura virtuosa na confiança de Altman em seu próprio toque; ele obtém um pequeno, esquisito triunfo com esse piscodocudrama sensacionalista.” E agora Roger Ebert, o crítico que ama os filmes que vê e tem especial admiração por Altman. Claro, 4 estrelas, a cotação máxima. Não dá para traduzir tudo, porque Ebert é como eu, escreve demais, textos imensos (com a diferença de que escreve bem). Mas ele abre contando que, no seu livro The Final Days, Bob Woodward e Carl Bernstein (os repórteres que tiveram a sorte de ser enviados num plantão de fim de semana para cobrir o que parecia ser um assaltozinho rotineiro ao comitê democrata no Edifício Watergate e transformou-se num dos maiores escândalos políticos de toda a História) descrevem um Nixon bêbado, caindo sobre seus joelhos. “Mas, à medida em que Watergate desaparece e vira História, e enquanto historiadores revisionistas começam a sugerir que Nixon pode afinal de contas ter sido um grande presidente – escândalos à parte, é claro –, nossa curiosidade permanece. Quais eram os reais segredos desse presidente extremamente complexo? Secret Honor, de Robert Altman, que é um dos mais cáusticos, dilacerantes e brilhantes filmes de 1984, tenta responder a nossas perguntas.” (…) “Nixon começa a mexer no seu gravador; há uma pequena piada sobre o fato de que ele não sabe direito manejá-lo. Aí ele começa a falar. Ele fala por 90 minutos. (…) Raramente vi 90 minutos mais fortes na tela. Nixon é interpretado por Philip Baker Hall, um ator que eu não conhecia, com tamanha intensidade selvagem, tamanha paixão, tamanho veneno, tamanho escândalo, que não conseguimos deixar o filme de lado.” (…) “Uma coisa estranha aconteceu comigo enquanto assistia a este filme. Sabia que era ficção. Não vi o filme com o espírito de aprender ‘a verdade sobre Nixon’. Mas como um filme, ele criou uma verdade mais profunda, uma verdade artística, e depois que Secret Honor terminou, quer saber? Eu tinha uma simpatia mais profunda por Richard Nixon do que antes.” Bem, essa é a visão de um americano; a gente conhece bem menos Nixon do que eles. Mas eu não tive simpatia alguma pela figura. Muito ao contrário. Nem acredito que tenha sido essa a intenção dos autores da peça, ou de Altman. Mas, tirando aquela constatação pessoal de Ebert, o que ele fala me parece perfeito. “Não conseguimos deixar o filme de lado.” Cheguei a pensar em pular uns trechos, já que muitas das coisas que o Nixon do filme diz são uma realidade americana demais, para quem conhece muito mais profundamente aquele contexto todo – mas não pulei coisa alguma. O filme é bem feito demais, e o ator está de fato num momento da maior inspiração – o filme pega e envolve o espectador com se fosse um bem feitíssimo thriller. Grande Altman.

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