Sem Deus - Godless - Bezbog - Reliquias em DVDs
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Sem Deus - Godless - Bezbog

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o grande vencedor do Leopardo de Ouro foi a escolha unânime de todos. “Bezbog”, mais conhecido pelo seu título anglófono “Godless”, foi essa rara obra.

Este filme búlgaro é a primeira longa-metragem da realizadora Ralitza Petrova e consiste numa cáustica crítica a uma contemporaneidade pós-soviética afogada em corrupção e desumanidade. Gana é a protagonista desta história miserabilista, sendo uma enfermeira que passa os dias a cuidar de idosos, muitos deles senis. Graças a esse acesso a pessoas fragilizadas e negligenciadas pela sociedade, Gana também se envolveu num esquema de tráfico de identidades, roubando os documentos dos idosos a seu cuidado e vendendo-os no mercado negro com a ajuda do seu namorado, um polícia corrupto. Ela não parece obter qualquer contentamento nos seus atos criminosos, movendo-se pelo mundo como que anestesiada, algo apenas intensificado pela sua dependência por medicamentos obtidos ilegalmente.

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A dar vida a esta deprimente figura central está Irena Ivanova, uma atriz búlgara que se estreia aqui no grande ecrã e que já conquistou uma série de galardões em festivais inclusive o prémio de Melhor Atriz em Locarno. Tais honras são amplamente justificadas pela miraculosa prestação de Ivanova, que constrói Gana através de um exercício em estonteante inexpressão emparelhada por uma fisicalidade que transpira monumental fadiga. Ela tem a postura de alguém que vive esmagado pela monstruosidade do mundo em que habita, cuja face desenha o cansaço do conformismo à amoralidade criminal que tudo domina nesta Bulgária infernal. Por vezes, “Godless” parece consistir num estudo de observação, estando a câmara como que inebriada com a possibilidade de capturar o mero ato de Gana existir.

A depressão que asfixia esta mulher é algo quase palpável, tanto em termos performativos como formalistas. Em prolongadas cenas, onde a única ação inteligível é Gana a olhar em seu redor, Ivanova consegue telegrafar ao espetador algo extremamente raro. Referimo-nos à tentativa de se sentir algo quando estamos consumidos pela apatia, o esforço desgastante de vislumbrar os horrores do mundo ou as suas maravilhas e assim tentar desenterrar algum tipo de emoção de dentro de um indescritível vazio interior. Toda a construção formal do filme reforça esse mesmo tormento, com paisagens gélidas cheias de edifícios abandonados, composições claustrofóbicas de faces envelhecidas, tableaux urbanos consumidos pela arquitetura soviética e uma utilização recorrente de minúsculas distâncias focais que fazem faces desvanecerem no éter como fantasmas vaporosos.

Godless” acaba por se manifestar como uma obra um tanto ou quanto reacionária, apesar de, verdade seja dita, o filme testar os limites do aceitável com admirável ferocidade. Momentos como o vislumbre de uma orgia despida de erotismo, uma sessão de sexo oral na presença de uma criança ou as reminiscências de uma idosa com saudades dos tempos da ocupação nazi chegam a tais extremos de miséria dramatizada que o espetador quase tem vontade de rir desconfortavelmente. O milagre de “Godless” está no modo como os seus criadores vão tão longe nesta direção deprimente, que o filme transcende o ridículo e chega a um ponto profundamente devastador. No final, o espetador sente-se quase fisicamente esgotado pelos horrores em cena.

No meio de toda esta miséria, apresentada sem qualquer sugestão de nuance ou modulação tonal, é fácil entender como é que alguém como Gana se torna no zombie apático que encontramos no início do filme. Por isso mesmo, quando a protagonista encontra algo que lhe dá algum prazer e a faz ver alguma luz na escuridão da vida, o espetador vibra como se tivesse sido eletrizado. Esse raio de esperança vem na forma de música coral, uma parte do rito religioso que, no entanto, é apresentado aqui como algo poderoso pela sua beleza e não pela sua faceta litúrgica. Afinal, a ideia de que existe algo superior à nossa pequenez humana, material e temporária não é algo intrinsecamente religioso. É precisamente essa sugestão de algo para além da miséria, algo intangível como a música, que serve de balsamo calmante à constante dor do mundo em “Godless”.

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